Homem é julgado na França por drogar a própria esposa para que ela fosse estuprada por dezenas de homens
Dominique Pélicot admitiu a culpa. Outros 18 suspeitos de participação nos abusos estão presos preventivamente. Vítima descobriu o que acontecia quando a polícia apreendeu vídeos dos crimes no computador do ex-esposo dela
Nesta quinta-feira (5), Gisèle Pélicot, 72 anos, falou pela primeira vez no julgamento do ex-marido, acusado de drogá-la e estuprá-la ao lado de outros 50 homens por 10 anos. Dominique Pélicot admitiu culpa e pode receber sentença de até 20 anos de prisão.
Os suspeitos de participação nos crimes tinham entre 26 e 74 anos no momento dos estupros, segundo o g1. Na terça-feira (3), 35 deles declararam inocência, enquanto 13 se consideraram culpados; um está foragido e outro faltou ao julgamento. Desses, 18 já estão em prisão preventiva.
— Assisti a todos os vídeos. Não são cenas de sexo, são cenas de estupro; dois, três deles sobre mim. Fui sacrificada no altar do vício — disse Gisèle — Quando vemos essa mulher, drogada, maltratada, morta na cama... Claro que o corpo não está frio, está quente, mas eu estou como se estivesse morta. Esses homens estão me contaminando, aproveitando-se de mim.
Entenda o caso
Gisèle descobriu que havia sido estuprada em 19 de setembro de 2020, quando a polícia indiciou seu então marido por filmar sob as saias de três mulheres. Ao ser intimada a depor, a vítima foi confrontada por vídeos do computador de Dominique que registravam os estupros. Eles foram casados por 50 anos e tiveram três filhos e sete netos.
— Em 50 anos não tivemos uma vida linear, mas sempre nos mantivemos unidos. Problemas financeiros, problemas de relacionamento, problemas de saúde... Sempre apoiei meu marido. Tenho um sentimento de nojo, tínhamos tudo para sermos felizes, tudo. Não entendo como ele conseguiu chegar a isso — comentou no tribunal.
A francesa abriu mão do anonimato na tentativa de impedir que crimes como esse aconteçam novamente. Ela passa pelo julgamento ao lado dos filhos.
Desde 2011
As investigações encontraram evidências de pelo menos 92 estupros cometidos desde 2011, quando o casal vivia em Paris. A maioria dos episódios aconteceu entre 2013 e 2020, quando viviam em Mazan, no sul da França.
Dominique aplicaria um ansiolítico forte na esposa até a deixar inconsciente. Depois orientava os homens, achados em um site de encontros, a não a acordarem.
Em depoimento, Dominique disse que não pedia dinheiro em troca e informava os coacusados de que a esposa estava drogada sem consentimento. Segundo os especialistas envolvidos no julgamento, os 50 réus não sofrem de nenhuma patologia psicológica significativa — inclusive, muitos afirmaram acreditar que participavam de fantasias do casal.
Gisèle ressaltou a participação das outras pessoas na situação:
— Estes senhores permitiram-se entrar na minha casa, não me violaram com uma arma apontada à cabeça. Estupraram-me com toda a consciência. Por que não foram à delegacia? Até um telefonema anônimo poderia salvar minha vida.
05/09/2024
Filhos de mulher drogada e estuprada durante 10 anos revivem a provação perante tribunal francês
Os filhos da mulher drogada e estuprada por dezenas de estranhos durante 10 anos ficaram abalados nesta terça-feira (3) ao ouvirem o longo e frio resumo dos abusos organizados pelo seu pai, durante o julgamento na França.
Gisèle P., a vítima de 72 anos, manteve-se impassível no segundo dia deste julgamento em Avignon, no sul da França, no qual os 51 acusados, incluindo o seu companheiro de quase meio século, enfrentam 20 anos de prisão por estupro com agravantes.
Este caso, que horrorizou a França, veio à tona por acaso quando Dominique P., com quem a vítima está em processo de divórcio, foi pego em 2020 em um shopping gravando sob as saias das clientes.
Os investigadores encontraram então em seu computador muitas fotos e vídeos da vítima, visivelmente inconsciente, enquanto dezenas de estranhos a estupravam. O acusado respondeu nesta terça-feira com um "sim" quando questionado se era culpado.
Embora a mulher parecesse firme, os três filhos do casal, sentados ao lado da mãe, tiveram mais dificuldade em conter a emoção. Por duas vezes, sua filha, Caroline Darian, saiu do tribunal chorando e tremendo.
O presidente do tribunal, Roger Arata, explicava naquele momento as fotomontagens em que Darian aparecia nua. As imagens estavam em uma pasta no computador de seu pai, de 71 anos, intitulada "Sobre minha filha, nua".
"Caroline teve que sair. Foi absolutamente insuportável. Mesmo que não tenham descoberto nada de novo", explicou o advogado dos filhos e da mãe, Antoine Camus, para quem a provação desta terça-feira foi "difícil", mas "necessária".
Gisèle P. e seus filhos se opuseram com sucesso na segunda-feira ao pedido da Promotoria e de parte da defesa que queriam que este caso emblemático de estupro com submissão química fosse realizado a portas fechadas.
Depois de voltar para a sala, Darian parou por alguns segundos em frente ao banco onde estão os 18 réus em prisão preventiva, mas ninguém encontrou seu olhar, nem seu pai, a quem ela agora chama apenas de "genitor".
A mulher, que publicou um livro intitulado "E parei de te chamar de pai" em 2022, "queria segurar o olhar dele por muito tempo para ver até onde ele poderia ir em suas negações", explicou o advogado Camus.
Ao longo da exposição dos fatos, detalhados pelo juiz Arata de forma fria, Dominique P. manteve-se tranquilo, conversando ocasionalmente com a sua advogada Béatrice Zavarro ou olhando ao redor da sala.
Junto com ele, os outros 17 réus estão em prisão preventiva por estuprar Gisèle P. diversas vezes, alguns até seis vezes, ou por cometerem os estupros mais graves.
Alguns têm um longo histórico de condenações por violência doméstica ou estupro, por vezes de crianças, por dependência de drogas ou álcool, e de atração por práticas pedófilas ou zoofilia.
Além dos principais acusados, apenas 50 dos 72 agressores que aparecem nas fotos e vídeos puderam ser identificados. Destes, 32 comparecem em liberdade ao tribunal e um é julgado à revelia.
AFP/David COURBET em 03/09/2024