O NOVO TARADO
As amigas alertaram: você não acha perigoso começar um relacionamento com um cara que surgiu do nada pelo Facebook? Ela ficou comovida com a preocupação e considerou: de onde surgem as pessoas que conhecemos num balcão de bar, numa parada de ônibus, na beira da praia? Do nada. É deste lugar incrível – o nada – que desembarcam em nossas vidas os colegas de trabalho, os parceiros de academia, os vizinhos e todas as pessoas que nos circundam há anos. Logo, é um lugar confiável, o nada. Da família, sim, é que podem surgir umas criaturas estranhas.
Marcou um café com ele, disposta a dar uma chance ao sujeito que não havia sido apresentado por nenhum amigo em comum, que não deu referência, carta de apresentação ou atestado de idoneidade. Crianças, não façam o que ela fez.
Porque já no primeiro encontro ele apareceu com uma flor na mão. Uma flor só, pequena, que deve ter catado no trajeto até o café, em algum jardim de edifício. Ela achou meigo, mas ficou ligada.
Começaram a namorar já na noite seguinte, depois do primeiro beijo que veio na sequência do primeiro jantar, se é que se pode chamar de jantar uma pizza marguerita para dividir – mas que ele fez questão de pagar inteira.
Poucos dias depois, cama. Sem entrar em maiores detalhes: ela nunca se sentiu tão bem-tratada e tão maltratada, ambos no melhor dos sentidos – o que a confundiu.
Com a intimidade, vieram mais surpresas: um dia, ela estava deitada, sozinha em casa, lendo um livro antes de dormir, quando ele entrou no WhatsApp para dar boa noite e enviou um link de uma música do Joshua Redman, My One and Only Love. Sugeriu que ela escutasse enquanto aguardava o sono.
Ela não pregou o olho, assustada com tanta elegância. E, pra completar, de manhã ela foi acordada por um poema espetacular da Cecilia Meirelles, um dos preferidos dele.
Ligou para as amigas e contou tudo. Elas responderam: “Nós avisamos”.
Foi quando ela começou a prestar mais atenção nos modos do namorado. Ele tinha o costume de escutá-la. Interessava-se pelo que ela dizia, sem interrompê-la. Pegava a mão dela enquanto caminhavam. Abria a porta traseira do Uber pra ela entrar, dava a volta no carro e entrava pelo outro lado (ela morria de medo que o motorista arrancasse sem esperá-lo). Ele fazia elogios frequentes. E declarações de amor. Não havia mais dúvida.
De tão empoderada, ela havia se emancipado até do seu romantismo e, ao deparar com aquele anormal vindo do nada, ela ficou certa de que estava lidando com uma nova espécie de tarado.
Dispensou-o rapidinho e foi atrás de algum homem que a tratasse de igual pra igual.
Fonte: Zero Hora/Martha Medeiros (marthamedeiros@terra.com.br) em 07/05/2017.